quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O papel do artista

O papel que o artista desempenhava na era pré-internet e os papéis que o artista tem que desempenhar hoje são bastante diferentes.

Antes, havia um número limitado de canais entre o artista e o público. Uma opção poderia ser tentar o primeiro contato com seu eventual público em uma casa de shows que o artista julgava ser freqüentada por quem ele gostaria que fosse seu público. Para tanto, uma primeira barreira a ser superada seria convencer alguém a permitir tal apresentação e, num segundo estágio, ser remunerado de algum modo por isso. Essa era a forma de construir um público para sua música.

Poderia haver uma tentativa de fazer com que pessoas da indústria fonográfica escutassem sua música e tentar o mesmo em alguma rádio ou veículo impresso que permitisse tal abertura.

Contatos pessoais sempre existiram, mas o que sempre existiu e não se alterou não é relevante para entender o ontem e o hoje.

Além disso, a maior parte do público estava acostumada com certa passividade em relação a entrar em contato com artistas novos. Havia uma infra-estrutura que, de tempos em tempos, mostrava ao público os novos artistas do momento.

Mas as coisas não são mais assim há alguns anos.

Os canais entre artistas e público estão abertos e cabe ao artista escolher aqueles que melhor lhe servirão para chegar em quem vai querer escutar sua música.

Opções de lugares para tocar? Aposto que existem mais lugares para tocar hoje do que ontem, mas a sensação de insatisfação em relação às oportunidades de lugares para se apresentar vem do fato de que há também um enorme número de artistas e bandas “disputando” os mesmos espaços.

Hoje em dia quase todos são artistas e estão tentando divulgar suas músicas. Trata-se de mais um fator na concorrência pela atenção do público: grande parcela do público hoje também é artista.

Não é uma questão de não ser necessário ter uma postura ativa no passado e isso ser necessário agora. A questão é que a postura ativa necessária agora não está tão bem definida. A fórmula não está pronta para ser repetida. Os canais que serviram para um artista se destacar não necessariamente vão servir para o próximo. As circunstâncias mudam rapidamente e se, por algum motivo, o “nível de satisfação pela busca de novidades” do seu público estiver elevado nas semanas em que você disponibilizou suas melhores músicas, elas simplesmente não irão reverberar como iriam em outras condições de temperatura e pressão.

A espécie de postura ativa exigida hoje é outra. O artista tem que ter habilidades e conhecimentos de áreas que não lhe eram essenciais no passado (marketing, tecnologias, networking, nova economia) e saber interpretar os acontecimentos do seu tempo com muita perspicácia.

Ele tem que decidir onde investir mais (na gravação de suas músicas ou em turnês deficitárias?), quanto e quando investir em cada um dos aspectos relacionados a sua promoção (fotos, roupas, vídeo, artigos promocionais, assessoria de imprensa, etc.). Ele tem que decidir quanto tempo se dedicará a um trabalho que lhe gera renda e subsidia os gastos com a banda e quando se dedicar integralmente à carreira artística.

Se há uma crise do negócio, em certo sentido, há uma crise de como o artista se insere no negócio. Não estou aqui desprezando todos os efeitos positivos para o artista em função da ampliação das possibilidades de comunicação com seu público, não é isso. Mas creio que não se pode negar uma certa angústia gerada pelo crescimento das oportunidades.

Em resumo: o artista que quer se destacar tem que agir como um empreendedor.

Pressupondo que tudo que foi escrito acima tem algum sentido, cabe a pergunta: até que ponto os artistas e bandas brasileiras que conhecemos são empreendedores?

Em muitos artistas eu percebo um ar de angústia por terem conseguido alcançar relativo destaque e, após certo tempo, não terem conseguido dar o próximo passo.

Onde está o empecilho para esse próximo passo? Está nos artistas e bandas que não têm as ferramentas necessárias para continuarem seu desenvolvimento? Está no público que não é grande o bastante para sustentar tal crescimento? Está no fato de que não há uma infra-estrutura (selos, promotores, assessores de imprensa, etc.) capaz de absorver tais artistas e bandas e contribuir para que o próximo passo seja alcançado?

(PS: espero confirmar os relatores de cada um dos 6 temas do primeiro ciclo de debates em breve. Enquanto isso, vou escrevendo algumas idéias sobre cada um dos temas, como fiz agora em relação ao tema I).

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