quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O relatório da ABPD sobre o ano de 2006

Entrei no site da ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos) para verificar se já havia sido publicado um novo relatório sobre o mercado brasileiro de música.

Fiquei feliz em saber que, sim, o relatório estava ao dispor do público.

“Publicação ABPD
2006/2007
5601KB”.

Ao clicar em “baixar”, percebo que o arquivo digital foi nomeado pela ABPD como “Publi2007_JAN2008”. Fiquei mais contente ainda: sim, o relatório abrangia 2007 (a despeito da capa do documento indicar apenas o ano de 2006) e foi publicado recentemente, em janeiro de 2008.

Após o download estar completo, mais um ponto positivo: a arte da capa não é meramente concretista, minimalista, abstrata e clean como as artes das edições anteriores. Não. Há o desenho de um tocador de MP3 no centro da arte e, no canto inferior esquerdo (em posição análoga ao próprio logotipo da ABPD), há o desenho de um mouse.

Há também múltiplas circunferências na arte do relatório. Imaginei a simbologia disso: 1) o mercado de música não é mais composto por círculos concêntricos de diferentes diâmetros (de modo que o de maior diâmetro abarcaria os de diâmetros menores); 2) as várias circunferências de diferentes tamanhos e cores, como se fossem bolhas, indicam que o mercado está em ponto de ebulição, cheio de possibilidades e pronto para adquirir outras formas.

Confesso que o meu entusiasmo estava difícil de ser contido.

O primeiro revés veio logo no parágrafo inicial, com a informação de que o relatório era apenas sobre o ano de 2006. Tudo bem, isso não acabaria com meu entusiasmo.

O objetivo do relatório é “o desenvolvimento do setor e o melhor conhecimento do mercado”. Legal.

Mais um símbolo: os outros 6 relatórios prévios foram também publicados em formato físico, mas o relatório mais recente seria o primeiro a ser apresentado ao público apenas em formato digital.

Primeiro dado: o mercado brasileiro de música (CD + DVD + VHS) movimentou em 2006 cerca de R$ 454,2 milhões. Uma queda de 26,2% em relação ao montante movimentado em 2005.

Segundo dado: a queda em relação às unidades vendidas foi da ordem de 28,7% em relação a 2005. 37,7 milhões de unidades foram vendidas em 2006.

Os porquês segundo a ABPD: “isso pode ser atribuído à pirataria física contínua nos últimos anos e a troca ilegal de arquivos musicais que acontece de forma desenfreada pela Internet aqui no Brasil e no mundo”.

Em relação ao áudio musical (CD), comparando-se 2006 com 2005, houve retração de 30% em valores faturados (R$ 322 milhões) e de 32% em unidades líquidas vendidas (31,4 milhões de unidades).

Em relação ao segmento dos vídeos musicais (cuja fatia do mercado brasileiro de música cresceu de 2005 para 2006 – de 25,2% para 29,1%), houve retração de 14,6% em valores (movimentação em 2006: R$ 132,1 milhões) e 4,5% de retração em unidades (6,3 milhões de unidades vendidas em 2006).

O próximo item do relatório chama-se “Mercado Mundial de Música Digital”. A impressão que eu tive é que esse item é um resumo dos dados e percepções da IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica – órgão ao qual a ABPD se filia) sobre o ano de 2006. No próprio site da ABPD estão disponíveis os relatórios da IFPI de 2007 e 2008. Resolvi, então, não dar muita atenção a esse item. Mais tarde eu leio os relatórios da IFPI.

A despeito disso, a ABPD informa: “a pirataria on-line e a desvalorização do conteúdo musical são ameaças reais para o emergente negócio de música digital”. Não entendi o que seria essa desvalorização mencionada acima. A quantidade de música e de opções artísticas diferentes ao dispor do público nunca foi tão grande. Parece que a ABPD ainda se vincula à antiga concepção de que quem informa ao público o conteúdo musical de valor são as grandes gravadoras.

Quando acho que vou entrar em contato com dados sobre o mercado de música digital no Brasil, encontro o parágrafo final do item sobre o mercado digital no mundo, em que a ABPD afirma:

1) a tendência é a indústria da música priorizar o mercado digital;
2) tal movimento é mais visível nos países desenvolvidos (com maior acesso à Internet, banda larga, posse de equipamentos pela população, etc.);
3) mas, mesmo em mercados emergentes como o Brasil, as receitas com música digital (telefone móvel e Internet) “já começaram a partir dos últimos anos a crescer significativamente e a representar parcela importante no planejamento para os próximos anos”;
4) prepondera no Brasil certa hegemonia da telefonia móvel no mercado digital. No entanto, há 30 lojas virtuais devidamente licenciadas.

Um ponto positivo do relatório é o momento em que há o reconhecimento dos benefícios do mercado digital para o consumidor (“prateleiras ilimitadas que oferecem músicas nas lojas digitais”).

Encerrando o relatório, a ABPD divulga os dados sobre a apreensão de mais de 47 milhões de unidades de CDs e DVDs piratas em 2006 (crescimento de 57% em relação ao ano de 2005).

A ABPD apenas traz em seu relatório os dados sobre a pirataria física, mas deixa o recado: “São considerados ilegais, segundo a legislação nacional, não somente websites, mas todos os serviços não licenciados, que possibilitam, direta ou indiretamente, a busca, armazenamento, distribuição, comercialização e execução de músicas por meio da Internet”. Será que o Google Brasil poderia ser, então, responsabilizado judicialmente por facilitar a busca de um blog que contém o link para o disco que eu quero escutar?

Minha impressão sobre o relatório é: a ABPD afirma que o mercado digital deve ser priorizado, mas não apresenta dados sobre esse mercado no Brasil. A ABPD compila dados em relação ao passado da indústria da música: o mercado físico. Reafirmo: o relatório não divulga dados sobre o mercado digital brasileiro em 2006 (v. nota 1).

O objetivo da ABPD é (página 18 do relatório): criar condições que auxiliem a indústria a preservar o mercado de música; criar condições que auxiliem a indústria a desenvolver novos mercados e novas tecnologias de comercialização de conteúdo musical; combater a pirataria física e digital; lutar por uma legislação mais eficaz de proteção aos direitos autorais e conexos; promover a correta valorização da música como bem cultural e econômico.

Para quem não é integrante da ABPD e apenas entra em contato com a instituição por meio de seus relatórios e site, fica a impressão que a ABPD somente está interessada em preservar o mercado de música através do combate à pirataria (como o mercado digital é irrisório no Brasil, a ABPD tem como função principal preservar o mercado físico). No quesito “desenvolver novos mercados e novas tecnologias de comercialização de conteúdo musical”, não está muito claro o que a ABPD vem realizando e quais são seus planos.

A ABPD deveria se abrir mais. Deveria se preocupar menos com os interesses de curto prazo de seus associados e mais com o desenvolvimento do mercado digital. Deveria se mostrar para o público interessado como uma entidade que dialoga, busca soluções, expõe seus planos e suas dúvidas. Deveria entender a postura do público que compartilha arquivos digitais e não simplesmente marginalizá-lo.

Nota 1: Escrita em 08.02.08 - A última notícia disponível no site da ABPD (“IFPI publica Relatório de Música Digital – 2008”) informa que, na primeira quinzena de março, serão divulgadas as estatísticas oficiais sobre o mercado de música digital no Brasil, juntamente com as estatísticas de 2007 referentes ao mercado físico. A instituição já adiantou as seguintes informações: as receitas com música digital no Brasil aumentaram de 185% em relação à 2006; as vendas através de telefonia celular cresceram 157% em 2007 e suas receitas representaram 76% do total do mercado digital; as receitas advindas da Internet representaram 24% do mercado digital em 2007 (em 2006, apenas 4%).

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